“Todas as formas de obstaculização do exercício da representação dos anistiados foram adotadas na comissão”, disse ele
O advogado Victor Mendonça Neiva, representante de entidades de anistiados na Comissão de Anistia, afastado arbitrariamente por decisão da ministra Damares Alves, afirmou, na sexta-feira (25) em entrevista ao HP, que a represália se deu porque ele não compactuou com o que estava ocorrendo no órgão, que é subordinado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH).
“Todas as formas de obstaculização do exercício da representação dos anistiados foram adotadas na comissão”, disse ele. “Desde entrega da pauta poucos dias antes para análise, recusa de oferecimento de apoio da assessoria para apreciação dos casos, até mesmo cobranças excessivas foram adotadas”, explicou Neiva.
O pretexto para a demissão de Neiva foi um entendimento recente que o ministério criou, de que conselheiros não podem atuar nesses casos, no Poder Judiciário. O advogado exonerado, que já tinha abandonado os casos que cuidava na comissão, atua em processo dessa natureza na Justiça. Ele nega conflito de interesses e argumenta que o Estatuto da OAB não faz esse tipo de objeção.
“Imediatamente após a represália bolsonarista, o advogado foi convidado a compor Diretoria Jurídica do Instituto Presidente João Goulart”
“É evidente que essa dispensa teve o caráter de represália à minha atuação que foi a mais contundente possível contra aquilo que considero a própria negação do pacto que fundou a nossa redemocratização”, destacou o advogado.
“Entretanto”, acrescentou, “me considero profundamente honrado pela perseguição, que confirma a minha atuação independente e comprometida com os valores dos direitos humanos e da democracia pelos quais tenho dedicado toda a minha carreira profissional”.
Victor Mendonça esclareceu que os procedimentos adotados pela comissão visavam o sufocamento de direitos dos anistiados. “Combinaram as arbitrariedades em sessões administrativas fechadas ao público e com acesso aos áudios restritos, para depois implementaram as decisões em sessões de julgamento”, denunciou.
“Já na primeira sessão de julgamento, em que foi definido que a Comissão de Anistia não indicaria mais o valor da reparação, em completa contrariedade à lei, adotei o procedimento de denunciar à imprensa e de repassar todas as informações que tinha para quem pedisse, desde grupos acadêmicos até o Ministério Público”, acrescentou Neiva.
Em recente entrevista, Neiva à Folha de S. Paulo, ele destacou que os novos membros da comissão estavam “criando gargalos para indeferir tudo”. “Não aceitam provas com base nos testemunhos. Se até hoje a polícia faz a detenção sem mandado e não fica registro algum, imagine como era na ditadura”, denunciou.
O representante dos anistiados conta que houve diversas matérias denunciando as condutas arbitrárias da Comissão, até que se decidiu, em sessão, que seria feita uma consulta à OAB para saber se o fato de eu manter a minha atuação judicial em causas de anistia podia configurar conflito de interesse.
“Obviamente, esta consulta seria direcionada, mas, como a OAB está menos sujeita à interferência do governo, eles mudaram a estratégia, mandando a consulta para a Comissão de ética do Ministério, ocupada por comissionados por eles indicados. Como era de se esperar, o parecer feito sob encomenda seria no sentido de que haveria o conflito de interesse e que os membros deveriam decidir entre renunciar ao posto na comissão ou aos seus mandatos em processos judiciais”, disse o advogado.
“Formulei um pedido direto à ministra apontando a ilegalidade do parecer, mas não tive resposta. Ao contrário, fui notificado para tomar as providências indicadas no parecer (escolher entre renúncia ao posto na comissão ou aos meus processos). Esta estratégia foi completamente desmoralizada a partir de Nota de Repúdio assinada por 31 associações de anistia, que, unanimemente, me apoiaram. Além disso, a conduta do ministério foi amplamente divulgada na imprensa”, afirmou Victor Mendonça.
“Nesse período”, conta Neiva, “dei uma entrevista para a Folha de São Paulo, em que afirmei que não havia espaço para convencimento racional na Comissão e que o órgão estava dirigido para negar os requerimentos”. “Evidentemente inervado pela matéria, o presidente da Comissão publicou artigo intitulado “Uma Comissão sem Ideologias” em que anunciou seu compromisso com o erário (Estado) e não com a Justiça e que a sua missão seria acabar com o órgão”, explica o advogado.
Victor Mendonça afirma que “alterou-se maliciosamente o regimento interno da Comissão para incluir mais um representante dos anistiados e um da defesa”. “O intento”, segundo ele, “era o de conseguir outra indicação dos anistiados para a comissão, pois jamais conseguiriam me substituir na indicação”.
“Publiquei então um artigo resposta intitulado ‘quando a ideologia cega’, em que registrei que ele confessou o que havia dito na minha entrevista e que o direcionamento da comissão expressava a ignorância sobre os problemas do Brasil”. “Assim, logo no dia seguinte à publicação alterou-se o regimento de novo para voltar a ter apenas um representante e, dois dias depois, me dispensando, mantendo apenas o outro indicado. Assim, fui dispensado”, completou Neiva.
Imediatamente após a represália bolsonarista, o advogado foi convidado a compor Diretoria Jurídica do Instituto Presidente João Goulart. Neiva afirmou que “é uma grande honra o convite recebido para assumir a Diretoria Jurídica do Instituto Presidente Goulart”.
“Penso que, ao poder contribuir para uma organização da sociedade civil tão comprometida com os interesses do povo brasileiro poderei contribuir ainda mais para demonstrar que, tal qual a Ditadura, o momento atual não é de um enfrentamento de comunistas x capitalistas, mas entre quem tem compromisso com o povo brasileiro e aqueles que, a pretexto de usarem símbolos nacionais, não possuem o menos pudor em entregar tudo o que nos é precioso a interesses alheios, em evidente prejuízo do povo brasileiro”, disse ele.
Publicado originalmente na Hora do Povo