A presente abordagem sobre as questões organizativas decorreu de debate no Comitê da Região Administrativa do Plano Piloto sobre as condições de atuação enquanto organismo dirigente. Trata de aspectos teóricos, estatutários e político-organizativos que, no entanto, devido as próprias dificuldades organizativas do organismo, não evoluiu e tampouco foi objeto de reflexão na última conferência. Por ocasião do processo congressual deste ano, faço aqui uma revisão e uma ampliação da análise abrangendo o Distrito Federal como um todo.
O PCdoB, em seus estatutos, se define como organização política de vanguarda consciente do proletariado. Em outras palavras, se destina a organizar e dirigir a classe operária e o conjunto dos trabalhadores para lutar contra a exploração e opressão capitalista e imperialista visando à conquista do poder político pelo proletariado e seus aliados, propugnando o socialismo científico. Para tanto, guia-se pela teoria científica e revolucionária elaborada por Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e outros revolucionários marxistas.
Dentre os aspectos teóricos que orientam a ação partidária estão os conceitos leninistas de organização que tem por pilar a constituição de organizações de base, que muitas vezes é interpretada de forma simplista e engessada de que estas organizações se resumem a reunião de militantes por local de trabalho, moradia ou estudo.
Em primeiro lugar, é fundamental se entender que o eixo central do pensamento leninista, no que diz respeito a estruturação orgânica de um partido revolucionário, está centrado na ideia de que, através de seus militantes, este partido deve estabelecer uma relação orgânica com as massas a que pretende dirigir e representar. Em uma Rússia revolucionária onde os meios de transporte e comunicação eram precários, Lenin percebe que a classe operária, quando a família não morava, comia e dormia ao lado das máquinas no interior das fábricas. Bastava pular a cerca da unidade fabril para terem acesso às suas moradias, e que esta era a forma com que organizavam suas vidas, ou seja, nos locais de trabalho e moradia. Percebeu que a juventude, de intensa atuação política naquela época, organizava sua vida em torno das escolas.
Lenin conclui que, se era necessário estabelecer uma relação orgânica do partido com estas massas, o partido tinha que necessariamente assumir uma forma de organização que correspondesse a forma com que estas massas organizavam suas vidas. Este é o princípio fundamental do pensamento leninista de organização partidária. No caso da Rússia revolucionária, portanto, o partido revolucionário deveria se estruturar em organismos de base por local de trabalho, moradia e estudo.
Na sociedade moderna, transcorridos mais de cem anos da constituição do Partido Bolchevique, a sociedade e a forma de vida são muito mais complexas e diversificadas do que aquela da Rússia do início do século passado. Entre moradia, trabalho e estudo as pessoas se deslocam longas distâncias através de metros, veículos coletivos e automotores; estabelecem contatos e relações através de modernos meios de comunicação. Mas não só isto. Ganham protagonismo importantes movimentos de segmentos sociais que lutam contra a opressão e por igualdade de direitos. Tendo isto em conta, os estatutos do partido, na atualidade, traduzem este princípio leninista da seguinte forma:
“A Organização de Base é o esteio da ação partidária cotidiana. É o principal elo entre o Partido, os(as) trabalhadores(as) e o povo, auscultando seus anseios e aspirações, contribuindo para a elaboração da orientação e a intervenção política do Partido…………………………………
As Bases são constituídas por um mínimo de 3 (três) militantes do Partido, em fábricas, empresas e demais locais de trabalho; em categorias, setores e ramos profissionais; em assentamentos rurais, fazendas, empresas rurais, comunidades indígenas e quilombolas; em escolas e universidades; em áreas como educação, saúde, ciência, segurança pública, cultura e comunicação; e em locais de moradia.”
Como podemos perceber, a aplicação do princípio na atualidade exigiu uma ampliação substancial do leque de formas de constituição de organismos de base e que muitas vezes, dependendo das caraterísticas próprias de uma determinada área, até mesmo duas ou mais formas de organização podem se colocar como opção. Tendo isto em conta, os estatutos orientam que:
“Os critérios para a constituição das Organizações de Base são os que melhor permitam a participação ativa dos(as) filiados(as) e militantes na elaboração e ação políticas do Partido. Os Comitês devem levar em conta as condições concretas existentes para a definição do âmbito de atuação das Bases e das formas de funcionamento que assegurem sua melhor atividade, tendo em vista enriquecer a atividade própria do(a) filiado(a) e do(a) militante, enquanto cidadão ou cidadã, com as orientações do projeto político do Partido, e estimular o enraizamento da atividade partidária na vida política, social e cultural.”
Obviamente, dentre estas formas, o Partido estabelece prioridade que no estatuto está assim definida:
“O Partido prioriza a organização dos(as) filiados(as) e militantes em Bases a partir das suas relações de trabalho, como medida para fortalecer a presença do Partido entre os trabalhadores e as trabalhadoras, bem como a força deles(as) na vida partidária.”
Enfatizando aqui que o estatuto se refere a relação de trabalho, o que não representa necessariamente local de trabalho.
A partir das organizações de base, o partido se estrutura de forma hierárquica e piramidal, assentando-se no princípio do centralismo democrático. Esta estrutura está assim estabelecida nos estatutos:
“O Partido constitui-se num sistema de organizações articuladas, dispostas segundo o critério da divisão territorial administrativa do país, compreendendo instâncias e organismos superiores nacionais, instâncias e organismos estaduais, municipais e locais, de caráter deliberativo, assim definidos:
I – Congresso do Partido e Comitê Central, e a Convenção Eleitoral Nacional;
II – Conferências Estaduais e a do Distrito Federal, e Comitês Estaduais e o Comitê do Distrito Federal, e as Convenções Eleitorais Estaduais e a do Distrito Federal;
III – Conferências Municipais e Comitês Municipais, e Conferências e Comitês das Regiões Administrativas do Distrito Federal, e as Convenções Eleitorais Municipais;
IV – Conferências Distritais e Comitês Distritais, e Conferências de Base e Organizações de Base.
Observe-se aqui que esta estrutura fixada não diz respeito a uma mera formalidade para atender a exigências impostas pelas legislações eleitoral e partidária. Aqui se trata também de jurisdições onde se disputa poderes territoriais que correspondem aos governos estaduais e municipais e aos legislativos também estaduais e municipais, além da disputa pelo poder central e o poder legislativo nacional. A habilitação legal, através de constituição de Comitês Estaduais e Municipais, permanentes ou provisórios, é condição indispensável junto a Justiça Eleitoral para lançar candidatos a deputado federal, estadual, vereadores, governador e prefeitos.
Não só o poder se disputa segundo esta territorialidade, mas também os trabalhadores brasileiros estruturam suas organizações em confederações ou federações nacionais, federações ou sindicatos estaduais e sindicatos municipais. Em todos os municípios temos os servidores municipais, as categorias profissionais de servidores públicos organizadas em sindicatos municipais, e mesmo as organizações populares se organizam segundo esta territorialidade legal.
Podemos perceber claramente que a estrutura de organização, do Comitê Central aos Organismo de base segue rigorosamente o princípio leninista de organização partidária. Prevê ainda, no leque de direções intermediárias, a constituição de Comitês Distritais, que se destinam a aliviar a sobrecarga de direções municipais em grandes municípios, em determinadas áreas que passem a concentrar grande número de militantes, podendo ser dividido em vários organismos de base. A determinação da territorialidade dos distritos segue critérios exclusivamente partidários estabelecidos pelas direções municipais.
Quanto ao Distrito Federal, a situação é distinta das demais unidades federativas. Ele é ao mesmo tempo estado e município. Ou seja, enquanto estado, ele não está dividido em unidade municipais onde se travam disputas periódicas por eleições de prefeituras e câmaras municipais. Temos uma única eleição para o Governo Distrital, que é simultaneamente um governo estadual e municipal, e uma única eleição legislativa, de forma que os deputados distritais eleitos são ao mesmo tempo deputados estaduais e vereadores. Diferente dos demais estados, o Distrito Federal tem uma única eleição a cada quatro anos.
A divisão do território do Distrito Federal em Regiões Administrativas é apenas uma forma de descentralização do Governo do Distrito Federal, as quais não gozam de nenhuma autonomia, não possuem poderes executivos e legislativos próprios e muito menos se fazem representar no poder legislativo distrital. O mesmo modelo de divisão do território em administrações regionais adotado pelo GDF podemos encontrar nas grandes e médias capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. São meramente um instrumento descentralizador e facilitador do exercício do poder executivo local e organizar o partido em Direções Distritais nestas regiões administrativas é uma opção que corresponde única e exclusivamente à política de organização local do Partido. Não se trata de uma imposição estatutária e, muitas vezes, a adoção de implantação de Comitês Distritais, por parte das direções municipais, não tem absolutamente nenhuma relação com estas regiões administrativas.
No caso do Distrito Federal, também não temos sindicatos ou qualquer organização profissional de trabalhadores com circunscrição em cidades satélites ou regiões administrativas. As organizações de caráter sindical ou equivalentes abrangem toda a unidade federativa, ou seja, abrangentes a todo o Distrito Federal. Isto tem por consequência que quando se organizam os professores, eles se organizam para estabelecerem políticas de atuação para todo os DF e atuarem no sindicato que tem abrangência também em todo o DF. No serviço público, é uma única secretaria de educação, de saúde, de segurança pública. Assim ocorre com os bancários, urbanitários, comerciários, trabalhadores nos correios, da saúde, servidores públicos e trabalhadores do setor privado, e mesmo os movimentos de identidades como mulheres, negros, LGBT etc.
A previsão nos estatutos de existência de Comitês das Regiões Administrativas, embora colocados no mesmo nível dos Comitês Municipais das demais unidades da federação, tem na prática a mesma funcionalidade dos Comitês Distritais em grandes municípios. Nas demais unidades da Federação, se tivermos em um determinado município com um organismo em um único bairro ou um único organismo em uma categoria profissional, forçosamente serão escolhidos pelo menos cinco militantes para constituir o Comitê Municipal provisório, pois esta é a condição para o Partido participar das disputas institucionais do município, ou seja, pelo menos lançar candidato a vereador. Portanto, em municípios onde o Partido reúna um mínimo de militantes, a organização ou nomeação de um Comitê Municipal é uma determinação estatutária e não uma orientação, ainda que este Comitê exista apenas do ponto de vista da formalidade legal.
Para a constituição de Comitês Municipais eleitos, porém, o Estatuto estabelece condições e se formos absolutamente formalistas, segundo as normas estatutárias, nenhuma das Regiões Administrativas reúne condições para eleger seus Comitês.
Artigo 30º………………………………………..
Parágrafo 4º – Os Comitês Municipais serão eleitos nos municípios onde exista um mínimo de 15 (quinze) filiados(as) e mais 1 (um/uma) filiado(a) para cada 1.000 (um mil) eleitores(as) ou fração, observado o disposto no a Artigo 27 deste Estatuto.
Parágrafo 5º – No Distrito Federal, as regiões administrativas equiparam-se a municípios, e serão eleitos os Comitês de Regiões Administrativas.
Aqui, podemos constatar que do ponto de vista estatutário, para a eleição de uma direção municipal, um mínimo de acúmulo se faz necessário no que diz respeito pelo menos ao número de filiados e o mesmo se aplica às direções de Regiões Administrativas. Nos municípios que não cumpram esta determinação, mas tenham mais de cinco filiados, as direções regionais nomearão Comissões Provisórias para que, do ponto de vista legal, o Partido possa disputar as eleições municipais. Nas Regiões Administrativas do DF não ocorrem eleições e, portanto, direções provisórias são dispensáveis.
Segundo dados apresentados pelo próprio informe do Comitê Regional do DF para este processo Conferencial, contamos com 557 filiados recadastrados em todo o DF. Um dos problemas desta definição estatutária é que Região Administrativa não corresponde necessariamente a cidade satélite, de forma que temos casos de cidades divididas em duas Regiões e temos Regiões com mais de uma cidade satélite. Mas para efeitos de constatação elaboramos a tabela abaixo, onde aglutinamos algumas Regiões Administrativas por impossibilidade de separar o número de eleitores e outras por estarem na mesma cidade satélite.
Area Administrativa | Filiados necessários para eleger Comitê dirigente |
Águas Claras | 165 |
Brazlândia/Ceilândia | 160 |
Candangolândia/N Bandeirantes/Park Way/Riacho Fundo | 128 |
Ceilândia | 241 |
Cruzeiro/Sudoeste-Octogonal | 87 |
Gama | 139 |
Guará | 141 |
Itapoã/Lago Norte/Paranoá/Varjão | 122 |
Jardim Botânico/Lago Sul/São Sebastião | 132 |
Planaltina | 145 |
Plano Piloto | 204 |
Recanto das Emas | 125 |
Samambaia | 145 |
Santa Maria | 110 |
Sobradinho | 142 |
Taguatinga | 200 |
Total | 2386 |
Objetivamente nenhuma das Regiões Administrativas reúnem as condições estatutárias para promoverem eleição de Comitês dirigentes, de acordo com os estatutos.
Por outro lado, do ponto de vista conceitual e não estatutário, Comitês de Regiões Administrativas ou Comitês Dirigentes de Cidades Satélites se equivalem aos Comitês Distritais previstos no Estatuto.
A constituição de Comitês Distritais, uma vez que estes não possuem responsabilidades legais e se constituem única e exclusivamente do ponto de vista da legalidade interna, se dará segundo decisão exclusiva da Direção Municipal que avaliará as condições, a oportunidade e a necessidade. O mesmo critério se aplica aos Comitês das Regiões Administrativas do Distrito Federal. A constituição dos Comitês das Regiões Administrativas não decorre de uma determinação estatutária como os Comitês Municipais e sim de uma orientação estatutária como é para os Comitês Distritais. O Comitê do Distrito Federal, avaliando as condições reais de uma determinada Região Administrativa ou Cidade Satélite, considerando o quantitativo de militantes e filiados, a distribuição destes militantes e filiados, o quantitativo de organizações de base nesta região e seu amadurecimento e consolidação, deve decidir pelas condições, oportunidade e necessidade da formação de uma Direção de Região Administrativa.
Interpretar que a formação de Comitês de Regiões Administrativas é uma determinação estatutária da mesma forma que é a formação de Comitês Municipais é dar uma interpretação burocrática aos estatutos partidários. Burocratizar a organização partidária é travar totalmente o seu potencial político e o fato é que é isto o que vem ocorrendo no Distrito Federal há muito tempo.
Senão vejamos, qual a consequência desta burocratização?
Ao constituir uma direção numa determinada área administrativa, se está levando em conta tão somente o quantitativo de filiados reunidos no processo conferencial do Distrito Federal nesta área administrativa. A reunião destes filiados se dá através de uma plenária geral da área ou através de organismos artificialmente formados que se dissolverão logo depois da conferência. A partir do número reunido se determina o número de componentes do Comitê de Area Administrativa que passa a funcionar como um organismo supostamente de direção, mas que de fato não dirige absolutamente nada, pois não existem organismos de base que a ele se subordinem, apenas filiados e militantes soltos.
Em um organismo de base não há uma limitação ao número de membros e à medida que novos filiados surgem, podem ser imediatamente incorporados ao organismo. Quando constituímos um organismo de direção onde os organismos de base não estão consolidados, engessamos este organismo, pois o número de membros fica fixado por conferência e os demais militantes e filiados ficam soltos, sem vida orgânica efetiva. Os demais militantes e filiados, quando muito, são mobilizados para atividades gerais. Em síntese, se o militante não faz parte de um dos poucos organismos de categoria, ou é membro eleito para uma das direções (do Distrito Federal ou de uma Região Administrativa), ou não terá vida orgânica. Raras exceções, também, os membros dos poucos organismos de categoria ou fazem parte da Direção do Distrito Federal ou de uma Direção de Região Administrativa.
Uma vez que os militantes não eleitos passam a não possuir uma vida orgânica, mobilizados tão somente para o ativismo, ou acabam se distanciando da organização ou acabam por assumir uma militância voluntarista. Por outro lado, uma vez que não sendo membro de uma direção não terá uma militância organizada e por vezes surgem disputas e ressentimentos, não por um carreirismo partidário, mas por disputar a condição de ter uma vida orgânica. Outro aspecto extremamente desfavorável é que esta política organizativa transforma o Partido em uma organização predominantemente cartorial, pois deve possuir mais de mil filiados (registrados no TER), conta somente com cerca de 200 a 250 militantes efetivos e, destes, uns 150 ou menos com efetiva vida orgânica. Pior, praticamente não se consegue elevar os filiados a condição de militantes, pois estes não encontrarão oportunidade de vida orgânica partidária. A exceção talvez sejam a juventude e as mulheres que encontram uma forma de organicidade mínima na UJS e UBM. Os números apresentados não são precisos, mas certamente não estão muito longe destes apresentados.
Diante de tais constatações e de tais circunstâncias, o ideal é que estes organismos assumam a forma de organismos de base por área de abrangência territorial com um secretariado formado e, se necessário, uma comissão política. Este modelo permitiria a garantia de vida orgânica a todo o militante e um novo dinamismo ao partido. O amadurecimento deste organismo permitirá o seu desmembramento em dois ou mais organismos, com direções consolidadas e a garantia de uma vida orgânica efetiva e tendo atingido o número de filiados estabelecido pelo Estatuto, estará em condições para a eleição de um organismo de direção. Para as conferências seria admissível a divisão dos filiados em grupos para facilitar a discussão das teses, mas não a constituição de organismos artificiais que se dissolverão imediatamente após as conferências.
Outro problema é subordinar organismos de categorias como educação, saúde ou advogados a Direções de Área Administrativa, mesmo que seja para efeito de Conferência. Não é possível se estabelecer uma política de intervenção nos sindicatos dos professores, no sindicato dos profissionais da saúde, nas organizações médicas ou OAB-DF senão através da Direção Regional. Podem no máximo adensar as conferências de Áreas Administrativas, mas passadas as conferências, voltarão automática e naturalmente a se subordinar ao Comitê do Distrito Federal. Portanto o correto é que façam suas plenárias congressuais tirando delegados diretamente para a Conferência Regional.
* Jornalista e Consultor Educacional, auxiliar do GTE Nacional, militante do PCdoB desde 1979, membro do Comitê Regional do Paraná de 1982 a 2008 e da sua Comissão Política de 1983 a 1987 e de 1996 a 2002. Filiado ao Partido no Distrito Federal desde 2009.